Aconteceu nos dias 14 e 15 de fevereiro o Seminário sobre Financiamento Climático e Território Indígenas, promovido pela Forest Trends, em parceria com a Greendata na cidade de Cacoal, Rondônia. Estiveram presentes mais de 100 participantes, dentre eles representantes de 25 povos originários da Amazônia brasileira, membros de organizações indígenas como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), a Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT), Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia (AGIR) e Juventude Indígena de Rondônia (JIR), Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ), Organização de Mulheres Indígenas do Acre Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia (Sitoakore), além de advogados especializados no tema, representantes da Coordenadoria de Povos Indígenas de Rondônia (COPIN), Secretaria de Estado de Desenvolvimento Ambiental do Estado de Rondônia (SEDAM), Ministério Público Federal (MPF), Wildlife Works (WWC), Comissão Pró Índio do Acre (CPI-AC) e Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA).
O evento teve como objetivo aprofundar os conhecimentos a respeito de mudanças climáticas, REDD+ e financiamento climático via programas jurisdicionais e mercados voluntários de carbono, incluindo aspectos jurídicos e legais, salvaguardas, consentimento livre prévio e informado, entre outros conteúdos relevantes para permitir a tomada de decisão e discussão qualificada sobre esses temas dentro das comunidades.
Cada vez mais as discussões nacionais e internacionais consideram o papel das florestas e do uso do solo como provedores de bens e serviços ambientais, na mitigação dos efeitos negativos da variabilidade e mudança climática regional e global. Nesse contexto, mais de duas décadas de parceria com povos indígenas ensinaram à Forest Trends que a colaboração no longo prazo e o apoio aos povos indígenas e às comunidades tradicionais é o melhor caminho para estabilizar a fronteira florestal,com o apoio na defesa de suas florestas de atividades ilegais e no fortalecimento das economias florestais (bioeconomia) de acordo com sua autodeterminação.
Dessa forma, o seminário foi um espaço importante para contextualizar o cenário atual a partir de uma leitura histórica dos acordos globais e iniciativas locais, trazer informações atualizadas e apresentar oportunidades da participação e benefícios aos povos indígenas com o respeito às salvaguardas e a direitos inalienáveis como à consulta e consentimento livre, prévio e informado, seja por meio de financiamentos climáticos, mecanismos jurisdicionais ou via mercados voluntários de carbono. Foi uma oportunidade de formação sobre o tema com especialistas indígenas e não indígenas, com programação e abordagem que possibilitaram a troca de experiências com o olhar de diferentes atores sobre o tema.
Para Nedina Luisa Yawanawa, professora indígena na Terra Indígena do Rio Gregório no Acre, a temática discutida no evento é muito importante para os povos originários. Ela considera que é fundamental que haja mais iniciativas formativas que possibilitem a apropriação do tema e a proteção das comunidades, visto que, atualmente, há a presença de muitas empresas levando falsas promessas para resolução de todos os problemas dos territórios. Por isso, o conhecimento sobre todo esse processo de consulta, o entendimento dos papéis das empresas e da comunidade, e dos conceitos básicos desse universo são essenciais.
Nedina reforça ainda que “não adianta apenas dizer que precisamos ter cuidado, mas que cuidados são esses? Não podemos ir aceitando a primeira empresa, nós temos a riqueza, então temos que ficar à vontade para fazer a melhor escolha […], precisamos correr para que todas as comunidades que estão recebendo propostas estejam cientes dos riscos que podem acontecer, e se forem avançar, que possam fazer de forma consciente e preparada, com uma gestão da comunidade, e sendo acompanhada pelas instituições importantes, como a FUNAI e o MPF, com apoio jurídico para que as comunidades não fiquem sós”.
“Um dos papéis do Ministério Público Federal é a defesa dos povos indígenas e a fiscalização das leis da ordem jurídica. Então toda a participação que envolve populações indígenas, o MPF também acompanha, e caso os indígenas tenham interesse a respeito de uma consulta, uma opinião ou um acompanhamento, o MPF está à disposição. As irregularidades que eventualmente se verifiquem no curso desses procedimentos, o MPF também vai ter esse importante papel de fiscalizar, apurar e eventualmente pedir a condenação daqueles que podem ser responsabilizados no futuro”, afirma Leonardo Trevizani Caberlon, procurador do Ministério Público Federal de Rondônia.
Marciely Ayap Tupari, coordenadora secretária da COIAB e atuante de movimentos diversos no estado de Rondônia, manifestou suas preocupações com a temática, visto que “o mundo todo vê que os povos indígenas protegem a floresta sem a necessidade do dinheiro, a gente faz isso da nossa maneira, porque a gente coloca que a natureza é a nossa vida. Eles enxergando isso, muitas vezes acabam vindo para gente com o olhar diferenciado, querendo financiar, querendo “supostamente” proteger a natureza, mas da maneira deles, e quando a gente coloca a nossa visão enquanto povos indígenas, muitos não entendem. Por isso que a gente falou sobre essa questão de as empresas estarem aliciando as lideranças, oferecendo dinheiro para implementar o crédito de carbono, mas sem conversar realmente com os povos que moram lá dentro, então isso é preocupante.”
Marciely reforçou ainda que a melhor forma para que a comunidade internacional possa apoiar a luta dos povos indígenas na defesa de seus territórios é trazê-los para a discussão. “Muitas vezes, quando a gente participa desses encontros internacionais, a gente tem pouca participação de lideranças indígenas que estão atuando com os territórios, e a gente fala que a gente precisa estar participando desses espaços, não só as lideranças, mas as mulheres e a juventude para estarem mais por dentro dessas pautas […] a gente precisa estar lá para estar falando qual é realmente a nossa demanda, não só eles falarem pela gente, mas nós falarmos por nós mesmo.”
“Para que as organizações e comunidades indígenas avaliem oportunidades de financiamento climático, via programas jurisdicionais ou mercado voluntário de carbono, os estoques e fluxos de seus territórios, negociem com governos e atores privados, entendam seus direitos legais e o ambiente regulatório, e assim por diante, elas precisam ter informações de qualidade sob medida e as ferramentas e capacidades apropriadas. A Forest Trends está aqui para apoiar este fluxo de informações e este seminário é uma parte importante dessa formação,” diz Beto Borges, Diretor da Iniciativa Comunidades e Governança Territorial da Forest Trends.
A Forest Trends trabalha para conservar florestas e outros ecossistemas por meio da criação e adoção de uma ampla gama de financiamentos ambientais, mercados e outros mecanismos de pagamento e incentivo. A Iniciativa Comunidades e Governança Territorial faz parceria com povos indígenas e comunidades tradicionais visando buscar inovações que garantam seus direitos, meios de subsistência e culturas através de uma estratégia baseada em defesa, autodeterminação econômica e integridade cultural.
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