O governo federal brasileiro está elaborando um novo projeto de lei que definirá a estrutura do mercado brasileiro de carbono. Com essas discussões em andamento, é essencial considerar como essa nova regulamentação afetará os Povos Indígenas. O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) do Brasil está no centro dessas discussões e o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez história ao criar o MPI e escolher uma mulher indígena, Sônia Guajajara, como Ministra.
Atendendo a uma solicitação do MPI, a Iniciativa de Comunidades e Governança Territorial da Forest Trends realizou um curso de treinamento sobre “Financiamento Climático e Povos Indígenas” para a equipe do Ministério e algumas de suas autoridades, nos dias 14 a 16 de junho de 2023. O treinamento teve como objetivo fortalecer a capacidade do MPI de compreender os mecanismos de financiamento climático, como mercados de carbono e programas jurisdicionais de REDD+; como comunidades indígenas podem se beneficiar diretamente desses mecanismos; e como é, na prática, um projeto de carbono ou programa governamental equitativo, de alta integridade e baseado em direitos.
Existem ao todo 734 territórios indígenas no Brasil, dos quais 496 são oficialmente reconhecidos por meio do processo de demarcação. Isso equivale a cerca de 117 milhões de hectares – quase 14% do Brasil, de acordo com dados do Instituto Socioambiental (ISA). Os Povos Indígenas estão na linha de frente da defesa da floresta, enfrentando ameaças como a grilagem de terras, atividades e exploração ilegais e conflitos fundiários. Estima-se que seus territórios contenham cerca de 58% mais carbono por hectare do que as áreas não protegidas na Amazônia brasileira. Entretanto, estudos mostram que menos de 1% do financiamento climático é direcionado aos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais em países tropicais. Com sua nova regulamentação sobre mercados de carbono o Brasil pode, não apenas reconhecer os direitos de propriedade de carbono dos Povos Indígenas, mas também garantir que esses direitos resultem em benefícios econômicos que recompensem seu manejo florestal sustentável, o qual representa uma parte essencial da mitigação do clima e da conservação da biodiversidade.
Em 2009, o Projeto de Carbono Florestal Suruí lançado pela Forest Trends com o povo Suruí e outros parceiros locais (IDESAM, ECAM, Funbio e Kanindé), foi o primeiro projeto de conservação liderado por indígenas financiado pela venda de compensações de carbono. O projeto reduziu drasticamente o desmatamento no território e forneceu financiamento climático direto para que os Suruí começassem a implementar seu Plano de 50 anos, o Plano de Gestão Etnoambiental da Terra Indígena Sete de Setembro. Apesar de vários desafios, o projeto estabeleceu alguns precedentes importantes. Por exemplo, um estudo jurídico realizado durante a fase de discussão do projeto, concluiu que o povo Suruí é proprietário dos créditos de carbono, definição a qual foi reconhecida pela Funai. Esse reconhecimento legitima todos os Povos Indígenas do Brasil como proprietários dos créditos de carbono e de quaisquer outros ativos ou serviços ambientais resultantes de projetos desenvolvidos em suas terras. Isso permite que eles obtenham os benefícios econômicos derivados de seus direitos originais, o que é expressamente garantido pela Constituição Federal.
De acordo com uma recomendação da Funai de 2012, “os recursos provenientes de REDD+ devem ser considerados propriedade da coletividade e devem gerar recursos que sejam aplicados em atividades de interesse coletivo, como educação, saúde, alternativas econômicas sustentáveis, segurança alimentar, valorização cultural, proteção territorial, infraestrutura de transporte, comunicação, eficiência energética e cultural e institucional”
Com as crescentes discussões e iniciativas em torno do financiamento de carbono, por meio de programas jurisdicionais ou governamentais e também do mercado voluntário, é fundamental garantir a inviolabilidade dos direitos de propriedade dos Povos Indígenas aos créditos de carbono quando os projetos são desenvolvidos em suas terras. Também é fundamental garantir seus direitos ao Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI), ao compartilhamento justo e equitativo dos benefícios e a outras salvaguardas. Os projetos de financiamento climático só podem demonstrar integridade social e ambiental quando têm a autorização expressa dessas comunidades, bem como sua participação no projeto, na implementação e na comercialização.
É essencial que todos os projetos e programas do governo estadual brasileiro que buscam ou que já estão recebendo financiamento climático, como o programa REDD Early Movers (REM) ou o novo programa Redução das emissões por meio da aceleração do financiamento florestal (LEAF, na sigla em inglês), respeitem os direitos de carbono dos Povos Indígenas e os incluam adequadamente em programas de consulta ampla. Os governos estaduais não podem negociar pagamentos de carbono que incluam territórios indígenas sem o consentimento expresso e a participação plena deles. Um regulamento futuro também deve fornecer orientação sobre como conciliar Terras Indígenas como Unidades de Conservação Federais lato sensu, usando mecanismos como REDD+ e outros financiamentos climáticos em nível estadual, já que o mesmo carbono não pode ser negociado duas vezes. Os Programas Jurisdicionais não podem negligenciar os direitos de propriedade de carbono dos Povos Indígenas, consagrados na Constituição Federal, sem enfrentar sérias consequências legais e de mercado.
Uma preocupação do MPI é o número de projetos de carbono que estão sendo propostos atualmente em territórios indígenas, bem como iniciativas lideradas por governos estaduais na Amazônia. Considerando essa preocupação, o treinamento realizado pela Forest Trends concentrou-se principalmente em como o MPI pode analisar os desafios e as oportunidades para os Povos Indígenas com o financiamento de carbono a partir de uma abordagem baseada em direitos. Destacou os direitos dos Povos Indígenas à propriedade do crédito de carbono e as principais salvaguardas, como a CLPI e outras orientações das salvaguardas de Cancun.
Outros parceiros no treinamento incluíram Greendata, que se concentrou em abordagens metodológicas para o financiamento de carbono; o Ministério Público Federal, que discutiu como garantir os direitos constitucionais dos Povos Indígenas no financiamento de carbono; e Sales & Kesselring Advogados – SKA, que apresentou questões jurídicas relacionadas à mudança do clima, as bases jurídicas para a propriedade dos créditos de carbono pelos Povos Indígenas e os aspectos contratuais dos projetos de carbono em territórios indígenas.
De acordo com Ceiça Pitaguary, Secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do Ministério dos Povos Indígenas, “todo o treinamento e o esforço nesse workshop tão importante, aprimoraram nosso conhecimento sobre esses temas. O Ministério precisa se posicionar sobre essas questões e nós precisamos nos posicionar com segurança. Procuramos continuar aprendendo e comentando sobre mercados de carbono e REDD+.” A assessora da Ministra dos Povos Indígenas, Elis do Nascimento, também reconheceu que “o treinamento trouxe subsídios e conhecimentos importantes sobre financiamento climático, atendendo com qualidade a nossa solicitação. O conhecimento e as reflexões do treinamento foram fundamentais para as análises e discussões.”
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